quarta-feira, 7 de setembro de 2016

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA

Alfabetização científica versus preparação de futuros cientistas



Antes de considerar como válida a ideia de uma alfabetização científica de todos os cidadãos, convém refletir sobre os possíveis efeitos negativos desta orientação sobre a preparação de futuros cientistas.

Uma tese frequentemente aceite por responsáveis dos currículos e pelos professores de ciências é que a educação científica tem estado orientada para preparar os estudantes como se todos pretendessem chegar a ser especialistas em Biologia, Física ou Química. Por isso - afirma-se - os currículos apresentavam, como objetivos prioritários, que os estudantes soubessem, fundamentalmente, os conceitos, princípios e leis dessas disciplinas.

Tal orientação deveria modificar-se - explica-se - porque a educação científica se apresenta como parte de uma educação geral para todos os futuros cidadãos. É o que justifica, argumenta-se, a ênfase das novas propostas curriculares nos aspectos sociais e pessoais, uma vez que se trata de ajudar a grande maioria da população a tomar consciência das complexas relações entre ciência e sociedade, de modo a permitir-lhes participar na tomada de decisões e, em definitivo, considerar a ciência como parte da cultura do nosso tempo.

Esta aposta numa educação científica para a formação dos cidadãos, em vez de orientada para a preparação de futuros cientistas, gera resistências em numerosos professores, que argumentam, legitimamente, que a sociedade necessita de cientistas e tecnólogos que têm de se formar e de ser adequadamente selecionados desde os estádios iniciais.

Tais atitudes - tanto a que defende a alfabetização científica para todos, como a que dá prioridade à formação de futuros cientistas - observa-se claramente uma mesma aceitação da contraposição entre tais objetivos. Mas é preciso denunciar a falácia desta contraposição entre as referidas orientações curriculares e dos argumentos que supostamente a avalizam.

Cabe insistir, em primeiro lugar, que uma educação científica, como a defendida até aqui, tanto no secundário como na universidade, centrada quase exclusivamente nos aspectos conceptuais, é igualmente criticável como preparação de futuros cientistas. Esta orientação transmite uma visão deformada e empobrecida da atividade científica, que não só contribui para uma imagem pública da ciência como algo alheio e inatingível - quando não recusável-, mas também faz diminuir drasticamente o interesse e dedicação dos jovens (Mathews, 1991 e Solbes e Vilches, 1997).

Já assinalamos que dedicaremos o próximo capítulo a analisar tais deformações, estudando as suas consequências e a forma de as superar. Aqui terminaremos insistindo que este ensino centrado nos aspectos conceptuais, supostamente orientado para a formação de futuros cientistas dificulta, paradoxalmente, a aprendizagem conceptual. Com efeito, a investigação em didática das ciências mostra que "os estudantes desenvolvem melhor a sua compreensão conceptual e aprendem mais sobre a natureza da ciência quando participam em investigações científicas, com tal de que haja suficientes oportunidades e apoio para a reflexão" (Hodson, 1992). Dito por outras palavras, o que a investigação está a mostrar é que a compreensão significativa dos conceitos exige superar o reducionismo conceptual e apresentar o ensino das ciências como uma atividade, próxima à investigação científica, que integre os aspectos conceptuais, procedimentais e axiológicos.

Por trás da ideia de alfabetização científica não deve ver-se, pois, um "desvio" ou "rebaixamento" para tornar acessível a ciência à generalidade dos cidadãos, mas antes uma reorientação do ensino absolutamente necessária também para os futuros cientistas; necessária para modificar a imagem deformada da ciência hoje socialmente aceite e lutar contra os movimentos anti-ciência que daí derivam; necessária, inclusivamente, para tornar possível uma aquisição significativa dos conceitos.

De forma alguma se pode aceitar, pois, que o habitual reducionismo conceptual constitua uma exigência "da preparação de futuros cientistas, contrapondo-a às necessidades de alfabetização científica dos cidadãos. A melhor formação científica inicial que pode receber um futuro cientista é integrado no conjunto dos cidadãos. Esta convergência surge de uma forma todavia mais clara quando se analisam com algum detalhe as propostas de alfabetização científica e tecnológica (Bybee, 1997). A tese básica de Bybee - coincidente. no essencial, com numerosos autores - diz que tal alfabetização exige, precisamente, a imersão dos estudantes numa cultura científica. O conjunto deste livro destina-se a apresentar com algum detalhe o que entendemos por essa imersão.

A necessária Renovação do Ensino das Ciências
2ª Edição.
Páginas 31 a 33

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